quinta-feira, 13 de abril de 2017

O DIABO QUE TE CARREGUE
Capítulo 4
 
A Invenção da Personificação do MAL
 
Ao buscar buscar informações sobre o Diabo na tradição judaico-cristã, acaba-se descobrindo que, na verdade, a discussão sobre uma entidade do mal, dotada de poderes capazes de "por o homem a perder", não se origina da chamada tradição judaico-cristã. É algo bem mais antigo que perpassa a mente dos nossos ancestrais. Só que, nesse passado remoto, todas as entidades sobrenaturais eram consideradas deuses bons e maus.
 
O sistema de crença mais antigo da humanidade, o xamanismo, surgiu a 40 mil anos atrás, e não se tem certeza em qual região surgiu especificamente. Mas a religião propriamente dita, como entendemos hoje, bem definida, com doutrinas mais antiga, surgiu a sete mil anos atrás, na mesopotâmia, onde o conceito de mal já era bem difundido. A 6 mil anos atrás os mesopotâmicos já criam na ideia de Céu e Inferno, similarmente como os egípcios viriam a acreditar um pouco mais tarde, quando os mortos desciam ao submundo para serem julgados por suas ações. A ideia de ser punido por forças maléficas na vida pós morte se originou com a religião dos Zoroastristas, a mais de 3 mil anos.
 
O 'dualismo', ou seja, a separação entre um deus representante do bem e uma entidade representante do mal só veio acontecer bem depois da Invenção da escrita, e tomou consistência definitiva com a afirmação do cristianismo, nos primeiros séculos da nossa Era. O Antigo Testamento é regido por uma visão 'monista' do divino. Nele não há uma personificação independente do mal em relação a Deus. O Deus Javé do Antigo Testamento é absoluto: ele faz o bem e o mal, de acordo com seu "infalível" julgamento. Tem-se aí a chamada "soberania absoluta" de Deus. Não há necessidade de outro ser espiritual para fazer o mal; a autonomia de Javé é exclusiva. Assim, Satanás é uma figura desnecessária nesse contexto. Javé dá a graça e o castigo; que faz brotar a vida e dita a morte; que faz sorrir uns e a chorar outros.
 
Satanás é muito pouco citado no Antigo Testamento como entidade sobrenatural. Podemos destacar apenas algumas passagens onde acredita-se que ele é citado como um artigo ou um título (acusador, opositor), e apenas uma passagem como tendo um nome próprio: Satanás -- no livro de Jó. Fora isso, todas as outras passagens são interpolações da época dos manuscritos que chegaram até nós, como o Codex Sinaiticus e o Códice Vaticanus, ambos do século IV. Vejamos: em 1Crônicas 21:1-2 Satan é colocado como adversário de Israel. Essa mudança visa evitar que o mal seja atribuído diretamente a Deus. Isso está na Tanakh também, com a mesma finalidade. Em Zacarias 3:1-2 Satan é apresentado como um opositor ao "Anjo de Deus". Além dessas passagens, as outras citações creditadas a Satanás no Antigo Testamento se restringem a Jó 2:1-7.
 
A hermenêutica cristã vinculou o texto de Ezequiel 28:11-19 com o dragão (anjo caído) de Apocalipse 12. Mas a passagem é uma lamentação do profeta contra o rei de Tiro, da Fenícia. Ezequiel baseou-se em Isaías 14:12-23. Ou seja, não existe de fato Diabo algum, nem em Ezequiel 28 e nem em Isaías 13 e 14, mas muitos pregam que sim equivocadamente. E no livro de Jó 1:6-12 (e apenas lá, em todo o Antigo Testamento), o nome Satanás parece significar um ser angélico explícito da corte divina; um filho de Deus que desafia o próprio Pai a tirar tudo de Jó, afim de (pásmem!) testar sua fé.
 
RICHARD HOFFMAN

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